Entrevista com Kentaro Miura “Realmente não creio que poderia deixar uma estória tão longa e sombria ter um fim sombrio”

ENTREVISTA COM O AUTOR DE BERSERK, KENTARO MIURA: “REALMENTE NÃO CREIO QUE PODERIA DEIXAR UMA ESTÓRIA TÃO LONGA E SOMBRIA TER UM FIM SOMBRIO”.

 

 

Esta é uma entrevista com Kentaro Miura realizada por Yukari Fujimoto, um escritor/professor de estúdios do gênero e mangás shoujos. É uma conversa meio antiga – originalmente publicada em Setembro de 2000, a qual ocorreu antes do lançamento do volume 20 – no entanto, com um conteúdo muito bom: ele fala sobre o amigo que foi a inspiração por trás de Griffith, como ele planejou a estória originalmente e porque o mundo de Berserk é, na sua essência, japonês.

Esta não é a entrevista inteira, apenas o que achei que seria mais interessante. Ela foi bastante longa e incrivelmente difícil de traduzir para inglês legível, então eu não tive interesse e energia para fazer tudo, pelo menos não agora.


 

Quando comecei a ler Berserk, pensei: “Ei, isso é Violence Jack!”. E então: “Ei, isso é como Guin Saga!” E quando cheguei na parte onde há demônios ao redor de Guts dizendo que ele os pertence, eu pensei: “Ei, isso é Dororo!” Pessoalmente foram essas lembranças que a obra me trouxe, porém eu gostaria de iniciar perguntando se você realmente estava com qualquer trabalho desse em mente enquanto fazia Berserk.

Miura: Eu era um leitor de mangá. Há coisas que eu emprestei conscientemente deles, mas há também coisas que eu guardei no fundo do meu subconsciente e apareceram do nada depois. Elas se tornaram uma parte de mim. Violence Jack e Guin Saga são obras nas quais eu estava obviamente envolvido e também acho que Guin Saga foi a maior fonte desse universo de fantasia. Aquela atmosfera estava impregnada em mim e agora a entendo como a base de tudo, então suponho que você esteja certo.

Entendo. E sobre a espada, então? É uma das características principais de Guts. Ela não veio de Violence Jack?

Miura: Ela veio de Pygmalio (mangá) de Shinji Wada, também creio que havia no spin-off de Guin Saga: the Snow Queen uma ilustração de um gigante de dois ou três metros empunhando uma espada. A espada do Guts é a união dessas duas. Está no tamanho certo para de alguma forma ainda ser carregável enquanto dá aquela sensação de proximidade da ação de mangás viris e violentos. Eu não pude me decidir por um tempo e o design de Guts passou um pouco por mudanças: cabelos longos empunhando uma katana, etc. Depois de agonizar sobre essa decisão por um tempo, terminei com o que ele é agora e senti como se eu realmente tivesse acertado. Tudo o que eu tinha que fazer era de alguma forma capturar o balançar daquela espada e aquele prazer daquilo. Provavelmente não sei do que estou falando, pois criei apenas a estória para um mangá, mas quando você atingi essa coisa crucial antes de começar, eu sinto que dá certo.

Absolutamente, eu não esperava que você fosse inspirado pela espada de Pygmalio, porém, quero dizer, Kuruto [o protagonista] tem um corpo pequeno e carrega uma grande espada, mas a arte e o universo do seu mangá parece completamente diferente. E novamente seu editor disse que todos os tipos de coisas surpreendentes aparecem no seu mangá de formas bizarras (risadas). Aparentemente você usou Ranpo como referência quando estava desenhando. De todos os mangás, pensei: Ranpo e Berserk…

Na esquerda, Ranpo (1978-1987). Na direita, Pygmalio (1978-1990).               Ambos são exatamente o que você espera das capas.

Miura: Isso é surpreendente? (Risadas) Estou usando ele para os cenários, aliás.

Ah, é claro! Isso faz sentido.

Miura: O segredo é: quando você é apenas um fã qualquer de mangá sem pretender ser um artista, você escolhe qualquer mangá que goste de ler na sua própria zona segura. Quando você está tentando se tornar um artista isso não é suficientemente sábio, você não conseguirá. Então houve um tempo que eu estava tentando ler o máximo possível – o que tem um limite também, mas tentei ler basicamente tudo que não era um sacrifício pra ler, qualquer coisa que as pessoas me recomendavam, que fosse popular.

Quando foi isso?

Miura: Desde o Ensino Médio até à Universidade aproximadamente. Todos os tipos de livros, mangá, filmes… o quanto pude.

A maioria dos aspirantes a mangakás não vão tão longe, não é?

Miura: A verdade é essa: eu sentava na minha mesa desenhando mangá o tempo inteiro, seriamente me faltava experiência pessoal e me senti inseguro. Foi por isso que comecei a pensar que seria melhor pelo menos absorver o quanto fosse possível de coisas que me recomendavam.

Quando você sentiu que manjava do assunto? Quero dizer, quando você começou a se sentir satisfeito com o que desenhava e com seu estilo?

Miura: Agora, uma dica sobre desenho: quando era jovem e estúpido, costumava copiar desenhos de caras como Yoshikazu Yasuhiko e Fujihiko Hosono para praticar. Desenhava coisas para a classe e era bom nisso, mas não era muito bom com traços de mangás, então eu queria aprender a fazer como Fujihiko Hosono e também usar minhas habilidades de desenhos realistas; além disso eu queria construir uma estória como Guin Saga, porém gostava de como Violence Jack era violento. Tudo isso se fundiu no meu estilo artístico, penso.
Você sabia que disseram no Manga Yawa [programa de tv] que eu era ruim em desenhar? Eles estavam absolutamente certos. Desde o Ensino Médio eu venho tentando combinar tudo quanto é coisa sendo tão bom em desenhar realidade quanto mangás, se eu estivesse fazendo uma estória como First of the North Star estaria habilitado para realmente me concentrar inteiramente em apenas desenhar bem. O mangá que eu quero criar, no entanto, tem aspectos de mangás estilo Shoujo e eu não teria capacidade para isso se seguisse First of the North Star em termos de arte. Então eu tive que encontrar esse equilíbrio entre drama delicado e First of the North Star, e depois de muita luta finalmente terminei no meu estilo de arte atual, apesar de imaginar que esteja sujeito a mudanças.

ah, então você tentou dar uma certa delicadeza à sua arte, assim como na estória. Eu realmente tenho essa teoria pessoal de que Berserk é de certo um shoujo, porém não deve ser uma surpresa para você ouvir isso não é mesmo?

Miura: Faz sentido pra mim. Shoujo é tudo sobre expressar cada sentimento poderosamente, e nesse sentido não é controverso para um mangá masculino, pois ele tende a ser mais bem pensado para vender bem, enquanto mangás shoujo são de alguma forma apenas… fofos. Sei que não é uma palavra muito descritiva, mas de todo jeito isso pode ser algo com o qual tenho em comum com eles.

Você tem fofura em comum?

Miura: Acho que quis dizer no sentido de expressar sentimentos, lógica vem em segundo plano, enquanto fofura é comumente a terceira opção.
No Ensino Médio eu estava em um grupo cheio de pessoas que diziam querer ser mangakás, mas na verdade estávamos ocupados arrumando namoradas e brigas, então eles nem eram tão otakus assim. Eu era o maior nerd de mangá do bando. Éramos cinco e eu era o ranger amarelo, deixado para trás em termos emocionais, mas bem à frente dos outros em termos de habilidades artísticas. Eu não era capaz de criar uma estória que faria realmente alguém sentir muita coisa. Então essas informações vindas de fora – das brigas e dos problemas de amor dos outros membros do grupo – eram bem novas para mim. Também, há o fato de que pessoas que vão para as artes tendem a ter grandes egos no quais todos sabem fazer algo particularmente bom, então com todos esses outros caras se mostrando eu queria encontrar o que eu poderia fazer. Desenhar, decidi que era a minha melhor opção. O único jeito que eu poderia competir de igual para igual com eles seria deixando minha marca como um mangaká. Isso se tornou uma estranha obsessão para mim.

Essa ideia que você teve de “igual para igual” de alguma forma refletiu no relacionamento entre Guts e Griffith?

Miura: Sim, um pouco. Eu não sei como são relacionamentos entre garotos nestes dias, mas voltando aos anos oitenta, garotos eram bem obcecados com coisas como quão bons eram seus amigos nas coisas, quão alto era os seus ranks em comparação aos seus amigos, etc. Para garotos, amizade não era sobre consolar um ao outro, às vezes você até tentava derrubá-los. Mas se separar desses mesmos amigos era sinônimo de admitir derrota e vocês se ajudam sim quando encontram um objetivo em comum. É daí de onde veio o Bando do Falcão.

Entendo, então a essência dos dias do colegial se transformou na estória de Berserk.

Miura: Certo. Eu tinha feito um treinamento para transformar a galera do colegial em um bando de mercenários no tempo em que me graduei na faculdade.

E você pegou essa experiência e espalhou no mundo original da fantasia de Berserk. Quando você teve essa ideia? O quanto você planejou para chegar nesse ponto?

Miura: Dificilmente eu teria pensado em algo assim no início. Eu não tinha ideia de quão longe poderia ir com apenas a ideia principal do mangá, eu nem tinha pensado sobre o Bando do Falcão ainda. Juntamente com o monstro-decepador espadachim negro eu sabia que seria mais fácil dar um motivo para ele lutar se incluísse o elemento da vingança no meio e foi sobre isso.

Essa é o verdadeiro protótipo da estória, mas no princípio da série nós vemos Griffith transformado, assim como apóstolos e a Mão de Deus, então pelo menos isso certamente parece que você trabalhou um pouco nesse universo antes de inicia-lo, penso.

Miura: Parece desse jeito em uma retrospectiva, mas até o volume 3 tudo o que eu tinha em mente era uma estória sobre raiva. Na preparação para iniciar essa série, primeiramente me perguntei sobre o que eu deveria dar mais atenção e o que decidi foi que eu teria certeza de deixar o protagonista com raiva. Então quis saber como o deixaria com raiva. Há muitos motivos para raiva desenfreada – tem a explosiva, mas também o tipo de raiva que o seu rosto apenas perde a cor e fica sem expressão. Eu decidi que focaria apenas em expressar raiva e esperava encontrar algo para trabalhá-la. Então como eu poderia evocar a fascinação por uma pessoa raivosa iria fazer ou quebrar o mangá logo no início. Agora, como eu faço o Guts com raiva? Dependendo da resposta ele poderia sair como um monstro assustador e desumano, ou talvez assustador de uma forma mais humana. E então quando a Mão de Deus apareceu no mangá, Griffith não era importante ainda.

Sério? Eu pensava que você tinha em mente um antagonista como Griffith desde o começo.


Miura: Penso eu que haviam muitas coisas enchendo minha mente e elas vieram todas no volume 3 de Berserk. Primeiro de tudo se Guts está com raiva, terá que haver um motivo. Imaginei coisas com as quais as pessoas têm raiva e, bem, o que se vê muito são parentes que foram assassinados, mas como já disse, eu queria algo onde a amizade importasse bastante, então a ideia de fazer Guts ter raiva de um amigo ou pelo menos de um homem com a mesma idade naturalmente veio em mente. Daí incluí o personagem, mas tinha que dar o motivo agora, e nisso veio o Bando do Falcão que criei do meu próprio passado.

Então foi a ideia de criar um personagem “a altura” para o seu protagonista que trouxe essas coisas de dentro de você.

Miura: Não tenho certeza se dá pra tirar alguma lição disso, mas como disse antes, quando você está trabalhando duro em algo às vezes você acerta e tudo começa a vir. Eu não sou muito bom em planejamentos, mas quando você para e pensa sobre o mangá que acabou de fazer, creio que se encontra alguma razão por trás disso, assumindo que você não tem múltiplas personalidades ou algo parecido.

Está tudo conectado no nível do subconsciente você diz.

Miura: E se eu cavar o suficiente isso se junta em uma estória. Não é algo feito intencionalmente.

Voltando para o tópico de planejamento de Berserk, um longo flashback começa no volume 3 mostrando coisas como a juventude de Guts e levando até o Eclipse. Você ao menos tinha partes dessa longa estória em mente quando começou a desenhar, ou foi criando pelo caminho?

Miura: Antigamente eu criava mais pelo caminho, eu diria. Eu ainda não tinha planejado que Guts e Casca ficassem juntos, você sabe – isso apenas me ocorreu no meio do caminho e seria mais dramático desse jeito. Como me lembro agora, tudo o que eu decidi mesmo na época é que seriam cinco amigos similares aos meus.

Eu vejo, então aqueles cinco amigos são a base para o modelo dos personagens.

Miura: Basicamente. A única diferença é que não haviam Guts e Griffiths no grupo, mas havia um cara bem parecido com o Judeau. Nós tínhamos um Corkus também e um Rickert, não tinha Casca porque era um grupo de rapazes. E o Pipin sou eu, em termos de aparência física.


Ahh, eu vejo, tudo bem.

Miura: O ranger amarelo, basicamente. Tenho certeza que esse era o meu papel. Por dentro, penso – e talvez mangakás tendem a idealizar a si mesmos – que seria como Guts ou como Griffith. Mangá é uma coisa engraçada: em vez de colocar modelos intocados nele, você pode fazer coisas como quebrá-los e rearranjar as diferentes partes em todo tipo de coisa estranha.

O que exatamente você quer dizer quando fala que seria como Guts ou Griffith?

Miura: Então, por exemplo, em termos de mangá, eu era cabeça e ombros sobre todos no desenho, mas ao mesmo tempo eu olhava para o cara que costumava agir como o líder. Ele era muito parecido com o Griffith em termos de habilidade: ele era o tipo de cara que colocava dinheiro onde sua boca ia (???), e ele tinha um pouco daquele sentimento de toque divino. Em termos de violência, apesar, eu diria que ele era parecido com Guts. Ele saía e se metia em brigas todos os dias, depois vinha pra minha casa e dizia: “ok, vamos desenhar algum mangá”, em seguida ele ia para o trabalho de meio período que nem um sonâmbulo. Ele era uma maravilha. Daí para permanecer com ele eu sentia necessidade de ter um truque só meu e eu decidi trabalhar duro em desenho, porém mais tarde descobri que aparentemente ele agia violentamente daquele jeito porque estava chocado com a minha habilidade em desenhar mangás. Já na universidade ele desistiu de ser mangaká e decidiu fazer coisas que nos deixariam invejosos dele – dormir com centenas de garotas, ser contratado em uma companhia de primeira, esse tipo de coisa. Depois se tornou um ilustrador e começou a ganhar dez milhões de yens por ano enquanto ainda estava na casa dos vinte, mas mangá ainda era o que ele queria fazer, então no final jogou tudo fora e começou do início na indústria de mangás.

Nossa, que história incrível.

Miura: Veja, até naquele ponto ele é Griffith, mas então ele cai e reexamina o que ele realmente deseja fazer, e nesse sentido ele é o Guts, certo? Talvez Griffith e Guts sejam sintomas que afetam os caras. Quando um cara tenta fazer algo seriamente ele pode se tornar os dois.

– Interessante, então você está dizendo que tem os dois dentro de si?

Miura: Os dois estão lá. Quando as coisas começam a dar certo o Griffith aparece. Se Berserk fosse apenas decadência eu provavelmente voltaria para o Guts. Qualquer um tentando construir alguma experiência dos dois lados, eu suspeito. Isso é algo que só percebi falando agora.

Sobre o Apóstolo Ovo: eu ouvi que ele foi criado sem empatia por hikikomoro ou the uncool kids ou algo do tipo.

Miura: Okay, por bem ou por mal, monstros constantemente aparecem em Berserk, e há um antigo dizer que monstros são violentos porque são tristes. Pessoas como Tim Burton têm pregado mesmo isso: o triste mas assustador, e é algo que eu quero fazer também. Aí você procura no Japão moderno pela tristeza e pelo assustador e encontra pessoas que se tornaram criminosas ou estão à beira disso, ou estão pelo menos assustadas de terem que se tornar isso, e é algo com o qual eu quero que o leitor simpatize. Quando eu estava no Ensino Médio sentia que todos tinham esse medo de fazer algo ruim algum dia ou que acontecesse com eles, é algo que ainda sinto vagamente, mesmo nessa idade. Acho que as pessoas atualmente tentam excluir tudo o que for diferente de si mesmas, é a geração do “eu”, mas não podemos esquecer que há várias pessoas por aí com personalidade forte.


Sinto que isso sincroniza muito bem com o sentimento de medo em Berserk, pode não ser conscientemente, mas com certeza encontro muita ressonância entre Berserk e o presente momento. Você assiste muito os noticiários?

Miura: Sim, eu gosto de assistir os jornais, eu gosto de documentários. O que não consigo assistir são novelas e shows variados.

Eu posso imaginar.

Miura: E nesse sentido penso que sou como as crianças do ensino médio e da universidade que não gostam de aparecer em público. Quero dizer, eu mesmo estou vivendo uma vida de um chato, afinal de contas (risadas), então acho que se tivesse uma família ou algo assim eu criaria mais personagens pais de família, mas para bem ou mal continuei sendo o mesmo e creio que isso se reflete em meu trabalho.

Então, sobre aqueles refugiados que estão caçando hereges (arco da Convicção), ouvi falar que você tirou a ideia de quando houve refugiados em Iugoslavia ou algum lugar assim que apareceu nos noticiários.


Miura: Naquele tempo acho que era em Iugoslavia, ou talvez em Tutsis e Hutus, não tenho certeza. De qualquer forma, isso me fez pensar: “Deus, o mundo está um lugar realmente cruel agora”. Então parte da ideia foi de colocar naquelas pessoas algo semelhante, em vez de fazer algo ordinário. Assim, ter feito isso foi crucial porque estou falando sobre o Japão – meus leitores estão lendo sob uma perspectiva japonesa, afinal de contas – e usei os refugiados para mostrar toda a sorte de coisas, como por exemplo, o quão xenófobos esses grupos podem ser, ou como irão se recusar a agir por si mesmas e esperar por alguém que o faça. A ideia era expandir os aspectos ruins desse tipo de grupo nos dias presentes.

Então aqueles refugiados são japoneses?

Miura: As coisas de fora do Japão entram no mangá em um nível superficial, mas o mundo de Berserk é, em termos do que se sente, essencialmente japonês. Eu comecei por uma ideia central originalmente japonesa.

Espera, então você está dizendo que, embora não pareça daqui de fora, Berserk reflete a mentalidade japonesa?

Miura: algo assim, sim.

Esta conversa me faz perceber que há surpresas aparecendo de maneiras surpreendentes em Berserk: os refugiados são na verdade japoneses, você está influenciado por Yumiko Oshima…

Miura: Eu não me considero uma pessoa especial fazendo algo que apenas eu posso fazer, pois penso em mim mesmo como uma pessoa ordinária. Também não estou de olho em todo tipo de coisa. Eu diria que sou bem mediano, suponho que faço mais uso do que vejo por aí; posso observar coisas que a maioria das pessoas não enxergam em algum filme estranho ou algo parecido e extrair, por exemplo, algum drama humano dali. Basicamente as pessoas vivem suas vidas absorvendo o que acontece ao seu redor e desmembrando em algo que faça sentido para elas, e para mim, mangá é o lugar onde falo sobre tudo isso. É uma questão de ser capaz de conectar tudo isso em uma rede, penso. Não acho que lazer e trabalho são coisas separadas, mesmo o que está acontecendo aqui agora mesmo irá para o mangá no fim. É uma questão de trazer tudo daqui de fora para dentro do mangá.

eu penso que o mangá provavelmente é algo que contém o mundo inteiro.

Miura: Exatamente. Eu não acredito que a informação que tomo é especial e não acho que tenho uma maneira especial de pensar, eu não poderia fazer um mangá que tem as coisas pela metade, eu faço mais um mangá escrito para chocar. Mas o que penso que é único para mim é a habilidade de conectar tudo em minha mente e posso ponderar tudo, difícil e lentamente. Persistência, creio que é assim que chamam, consequentemente minha obsessão por não deixar desperdiçar nada.

Mais ou menos a quanto tempo você está comprometido com seus planos para o mangá?

Miura: Não tenho certeza, isso é algo que me preocupo sobre mim mesmo. O relacionamento entre Guts e Griffith está para começar de verdade.

Espera, está apenas começando agora? Então tudo o que já aconteceu foi um prólogo?

Miura: Bom, não. Eu não diria que foi um prólogo. Nós estamos chegando na parte onde a trama está começando a ser resolvida.

Huh, então o relacionamento de Guts e Griffith está começando para valer! Que boa notícia, surpreendente, mas ótima!

Miura: Sim, foi meio que ficar vacilando para frente e para trás até agora, mas Griffith no momento está sob os termos de ter se tornado um demônio. Eu basicamente vejo isso como o início do relacionamento entre os dois sendo adultos. E também, a criança demônio que Caska deu a luz será algo como um ponto chave – apesar do fato de que eu nem o havia planejado como filho da Caska quando comecei a desenhá-lo.

Sério?

Miura: Eu nem tinha Caska em mente naquele tempo.

Tudo bem. Isso significa que não era para ser um feto no início então, e acho que nem era planejado que o Guts perdesse seu olho e braço daquele jeito também…

Miura: De forma alguma. Essa parte foi deixada aberta. Basicamente planejei que Griffith tivesse feito isso de alguma forma e então um romance surgiu e levando isso para o extremo aconteceu de se encaixar perfeitamente com o clímax. Não que eu tenha planejado isso no começo, mas agora acontece que a criança demônio similarmente caiu muito bem nesse papel.

Uau… ouvir isso é incrível. Você diz que não tinha nada claramente planejado de primeira e mesmo assim cada coisinha se encaixa tão bem sem furos na estória como se você tivesse planejado tudo desde o princípio. É uma grande mistura do intuitivo e do lógico.

Miura: É verdade, com o tempo tive que confiar na minha própria clareza. Na minha experiência as coisas foram se encaixando naturalmente em seu lugar sem planejar muito à frente. Penso que não daria tão certo se eu trabalhasse com coisas que não fazem parte de mim, coisas que simplesmente emprestei de algum lugar e simplesmente meti no meio, dificilmente há algo assim. Mesmo quando eu trago coisas de fora eu mesmo analiso a qualidade antes de fazer algum uso disso.

Mas eu acho que uma estória que foi planejada com atraso geralmente não se encaixaria tão perfeitamente. Quero dizer… a criança demônio é – na maneira de dizer – o bebê dos três personagens. O fato de você ter gerenciado o que aparece no início e torná-lo em um ponto-chave mais tarde é incrível. Algo vai mudar de agora em diante?

Miura: sim, eu mudarei – e a relação entre Griffith, Caska e Guts mudará um pouco com isso – uma bruxa real entrará em ação em breve.

É até possível que veremos um final feliz?

Miura: Eu diria que é possível. Eu tinha o final planejado em mente, mas anteriormente eu estive pensando, prefiro descobrir quando eu estiver chegando perto dele, então agora é difícil dizer o que poderia acontecer. Sendo o tipo de pessoa que sou, penso, que realmente não creio que poderia deixar uma estória sombria ter um fim sombrio – digo, deixando ele morrer de repente. Eu não gosto mesmo desse tipo de entretenimento, deixarei isso com meu subconsciente.

Percebo… tenho mais perguntas para o mistério de Berserk agora. O que quer dizer os “216” anos do Eclipse?

Miura: Ah, isso é apenas quando acontece um eclipse solar no mesmo lugar.

Ah, então é isso o que significa.

Miura: Sim, e se você dividir por mil anos obtém exatamente cinco pessoas. Apenas me surgiu isso para trabalhar em cima.
Editor: Um cara do observatório de astronomia nos disse. E também 216 é 6 x 6 x 6.

Então aconteceu de ser 6 x 6 x 6 e é um ano de eclipse solar? Isso está mais para uma mística numerologia.

Miura: talvez seja daí que toda a coisa sobre o 666 surge.

Ah, verdade, como “In the Omem”. Ah, entendi agora, então por isso é o número do Diabo. Bem pensado mesmo, legal.

Miura: Isso é algo que um fã me contou, que em uma guerra revolucionária de camponeses ou algo assim na Alemanha a muito tempo atrás teve um cavaleiro que costumava lutar com um braço de ferro, uma prótese, porque tinha perdido seu braço para um tiro de canhão e aparentemente seu nome era Gotz. Mas encontrei isso só depois.

Então Guts não foi baseado nele ou em qualquer coisa.

Miura: Sincronização total.


Agradecimentos: à Brenda Rodrigues pela tradução e à Mangabrog de onde essa entrevista foi traduzida.

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