Berserk: O Cavaleiro Dragão Flamejante – Capítulo 1 (parte 1) traduzido



Novel escrita por Makoto Fukami

Arte e história original de Kentaro Miura

Tradução e adaptação de Rogério Teodoro dos Santos


BERSERK: O CAVALEIRO DRAGÃO FLAMEJANTE

Capítulo 1. 1

“Para acalmar o dragão, lhe foi trazido como sacrifício uma princesa. Mas o dragão não cessava de liberar sua ira, até que finalmente um cavaleiro o enfrentou e o derrotou. E desde aquele dia, nos templos, jovens sacerdotisas realizavam suas preces para dar paz a alma do dragão e da princesa.”

— Assim a lenda é contada nesse pequeno país insular …

Perto da fronteira entre o pequeno Grão-Ducado de Grant e o poderoso Império Tudor, um homem estava parado em cima de uma torre e observava do alto a enorme força militar que se estendia a sua frente até o horizonte. O local onde a torre se encontrava era chamado de Ninho do Dragão de Fogo.

O Grão-Ducado de Grant ficava numa ilha, cujo nome também era Grant. A ilha não era demasiadamente grande, tanto que se poderia, em questão de três dias, medi-la de ponta a ponta à cavalo, trocando apenas os cavalos durante o galope. Apesar de sua localização no norte gelado, Grant era bastante rica, pois possuía muitos portos que até mesmo durante o inverno ficavam livres do gelo.

A ilha em si, graças a sua peculiar forma, lembrava uma grande bacia. O motivo disto era por causa da origem vulcânica da ilha. Ela não era nada mais que resto de uma poderosa cratera vulcânica. E mesmo agora a terra nunca havia cuspido fogo, mesmo as pessoas contando lendas sobre um dragão que aparentemente cochilava debaixo da terra…

A capital, Nordcapity, encontrava-se no meio de uma depressão da antiga cratera e era cercada por todos os lados pelas poderosas bordas da montanha como se fossem paredes. Isso gerou condições naturais perfeitas para se defenderem de ataques do lado de fora. Além disso, aqui e ali, nas montanhas, foram instaladas baterias protetoras, cujos canhões de ferro forjado direcionavam suas bocas ameaçadoramente para o mar. Mas, a cadeia montanhosa que cercava a ilha, era muito mais que apenas uma muralha defensiva. Ela era, ao mesmo tempo, uma fonte para muitos minérios de valor que eram armazenados em suas rochas. Houve um comércio florescente com os minérios extraídos lá e os portos da ilha estavam repletos de navios de carga de vários lugares do mundo. E esta não era a única riqueza de Grant. As águas da costa eram repletas de peixes e outros animais, e nas planícies cobertas de grama no interior da ilha, assim como nas encostas mais suaves do interior das montanhas da cratera, eram criados rebanhos de ovelhas e vacas em grande número.

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No extremo sul de Grant havia uma profunda incisão no anel de montanhas que formava as bordas da cratera. Esta lacuna era seguida por uma planície. E esta tinha feito com que o Império de Tudor, que era inimigo declarado de Grant, conseguisse conquistar uma superioridade militar. Posteriormente, os conquistadores lá tinham levantado uma fortaleza batizada de Chester.

Quatorze anos se passaram desde que soldados de Tudor, vindos de Chester, mandavam cada vez mais e mais exércitos para lutar contra Grant. Mas apesar de todas estas tentativas, seus soldados não conseguiram uma vez sequer conquistar a capital Nordcapity. Haviam muitos motivos para isso, mas o principal deles era certamente a forma própria e natural da ilha.
A área ao redor da capital, era dificilmente menos severa e repelente do que a cordilheira que cercava toda a ilha. Apenas um caminho levava através desta paisagem fissurada, ligando a planície com a capital. A passagem para este corredor era evitada pelos inimigos de um castelo … o “Ninho do Dragão de Fogo”.

O castelo “Ninho do Dragão de Fogo” fora inicialmente construído como um Bastião. Este tipo de construção não era visto com frequência no continente. Eram chamadas de Bastiões as defesas que formavam a parede do castelo para artilharia com “faces” ligadas à fortaleza. Pela posição avantajada das “faces”, os Bastiões facilitavam para os defensores poderem observar seus inimigos e atirarem neles com flechas e balas de canhão. Quando se abastecia um Bastião com canhões e nele se posicionavam balestras e arqueiros, nem mesmo a mais poderosa força militar ousaria se aproximar sem pensar duas vezes.

O castelo “Ninho do Dragão de Fogo” possuía, em um dos seus lados, seis destes Bastiões, e tinham ao lado das muralhas externas ainda uma segunda muralha do lado interno do castelo. Isso fazia com que fosse extremamente difícil de ser tomada pelos inimigos. Também haviam castelos que eram em seus interiores quartéis generais e até mesmo cidades, mas o Castelo “Ninho do Dragão de Fogo” se tratava exclusivamente de uma instalação militar. Em seu interior haviam apenas cavaleiros e soldados.

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Dentro do complexo do castelo, dois prédios se elevavam particularmente alto. Estes eram a fortaleza e a portaria. A fortaleza não era nada mais nada menos que a torre de defesa principal do castelo. Lá ficavam as moradias do senhor do castelo, a câmara de armas, assim como as salas de montagem e armazenamento. A portaria incluía, ao lado do portão principal do castelo, ainda mais salas de estar e estava preparada para o caso de um cerco. Tanto a torre de vigia como a portaria eram enormes edifícios de pedra. Em cada lado do complexo do castelo, norte, sul, leste e oeste, havia uma torre de altura regular, já que poderia ser um alvo fácil para canhões e catapultas caso fossem altas demais, arruinando assim a utilidade dos Bastiões.

O homem de armadura pesada, que olhava para a força inimiga vinda da torre sul da fortaleza, chamava-se Grunbeld Ahlqvist. Grunbeld era há dez anos comandante supremo do Castelo “Ninho do Dragão de Fogo”. Há cerca de 14 anos, soldados Tudor haviam assassinado a mãe de Grunbeld. As terríveis imagens e eventos que ocorreram naquele dia ainda estavam fortemente vivas em sua memória. Tão vivas na memória de Grunbeld que pareciam ter acontecido ontem.


Capítulo 1. 2

Quatorze anos atrás.

Grunbeld era um garoto procurando por um lugar com água corrente, não importando aonde fosse. A borda de seus lábios estava rachada e o gosto de sangue preenchia sua boca. Ele havia entrado em uma briga. Quase todos os seus oponentes eram mais velhos que ele.

Seu cabelo era visivelmente um ruivo brilhante. Grunbeld não tinha pai e sua mãe vinha de uma família, outrora distinta, agora nobres arruinados que vivem em uma antiga propriedade rural com apenas alguns criados. Grunbeld não conseguia ficar longe de problemas com jovens mais velhos e mais fortes que ele.

Tendo completado quatorze anos, Grunbeld já era mais alto que um homem adulto comum, e ele não perdia em uma luta mano a mano. Mas ele tinha vários adversários naquele dia e, depois de vários golpes, sua cabeça estava um pouco atordoada. Quando chegasse em casa e contasse à sua mãe sobre isso, ela perguntaria sobre quantos ele enfrentara e se havia vencido. Grunbeld diria que havia três deles e que havia espancado todos.

Sua mãe, Euphemia, era muito orgulhosa por descender dos caçadores do oceano do norte e, em parte, porque seu marido havia morrido em batalha durante a infância de Grunbeld. Por isso, ela adotou uma abordagem rígida com relação à educação do filho. Euphemia disse a Grunbeld que se ele aprendesse a usar uma espada e ainda assim tivesse uma vida vergonhosa, quando morresse nunca entraria no Salão dos Deuses, onde seu pai o esperava. A Santa Sé no Continente ensinou que as pessoas boas vão para o céu quando morrem, mas nesta pequena nação do norte ainda havia uma ideia firmemente enraizada de que após a morte, somente os corajosos seriam chamados ao Salão dos Deuses. No entanto, fora os padres, somente os excêntricos aplicavam fielmente tal crença em suas vidas cotidianas. Assim, aos quatorze anos de idade, Grunbeld já vivia pensando sobre sua própria morte.


Eu quero lavar minha boca um pouco. Eu quero lavar meu rosto. Apenas fazendo isso, provavelmente me faria sentir muito melhor. Vou pelo menos limpar o sangue da minha boca. Mamãe vai ficar com raiva se eu chegar em casa com esse aspecto horrível.

“Então, esse é Grunbeld.”

O líder dos jovens que era sempre derrotado pediu um favor ao seu irmão mais velho, um soldado, e a um grupo de quase dez de seus camaradas que procuravam por Grunbeld. Agora eles o encontraram e seus punhos se chocaram novamente.

Havia profissionais entre seus muitos agressores e eles carregavam varas e chicotes. Grunbeld era forte, mas o resultado foi uma conclusão inevitável. Ele foi socado, chutado e socado novamente. Ele perdeu a consciência e entrou em colapso.

“Whoa, uh oh. Nós podemos ter estragado tudo.”

Erroneamente pensando que Grunbeld estava morto, os jovens o largaram em uma floresta remota e fugiram.

Grunbeld estava apenas inconsciente. Seu corpo estava pesado como se ele tivesse febre alta, ele não conseguia nem levantar um dedo. Sua curta vida passou diante de sua mente. O dia em que seu pai morreu. A única vez que sua mãe chorou na frente dele. Ela o criando sozinho, isolados no vilarejo. O treinamento diário e sua instrução estrita. Os aldeões sussurrando sobre a estranha mãe e filho. Seu sangue orgulhoso dos caçadores do oceano do norte. Sua admiração e afeto por sua mãe. O isolamento causado por seu sangue e seus ensinamentos. Solidão. A sensação de desamparo de Grunbeld por ser uma criança incapaz de protegê-la.


Grunbeld não conseguia se mexer. A raiva preenchia todo o seu corpo. Eu não vou morrer em um lugar como este.

A floresta ficava um pouco distante do vilarejo. Ele ouviu um som fraco de água fluindo. Uma aparência mística pairava sobre o lugar, como se alguém pudesse ouvir os passos da vida selvagem. Era um lugar tão quieto que mesmo Grunbeld, tão próximo da morte, era capaz de sentir a presença da fera que se aproximava.

É um cervo? Um javali? Tais pensamentos entraram em sua mente, e então um enorme lobo prateado surgiu e olhou para seu rosto.

Por um instante, Grunbeld ficou com medo. Então a voz de uma jovem garota gritou.

“Ludvig, seu menino mau!” Você pode ser comido se aproximar-se de repente. Ele pode ter desmaiado de fome.”

“O que?”

“Pequeno ou não, ele é um dragão. Você pode ser engolido”.

A moça – embora fosse muito jovem para ser chamada assim – estava furtivamente observando a cena por trás de uma árvore caída. Essa jovem que gritara discretamente ao lobo prateado chamado Ludvig também estava cercada por vários alces.

“Eu não vou comer você”, disse Grunbeld.

“Eu não sei – isso é um dragão falando. Você pode esperar por sua chance e me engolir inteira.”


“Eu não sou um dragão. Do que você está falando?”

A garota saiu de trás da árvore. Sua beleza élfica fez Grunbeld se perguntar se ele estava sonhando acordado. Pele de marfim e cabelo comprido, preto como se embebido em tinta. Olhos cinzentos, grandes e claros. Lábios ligeiramente grossos. Um peito magro, membros esguios.

Ela se aproxima de Grunbeld com calma, sem medo, embora ele fosse muito maior e com o lábio sangrando. Com base em seus movimentos e seu olhar, Grunbeld percebeu que a garota era cega.

“Quem é você?”

“Benedikte. E você?”

“Grunbeld Ahlqvist”.

“Hmm.” Benedikte limpou a ferida na boca de Grunbeld com o polegar. “Mais cedo eu vi um brilho carmesim de dentro da floresta. Eu nunca vi um carmesim tão grande e vermelho nesta floresta. Você é um dragão de fogo! Eu tenho certeza disso!” Ela se sacudiu animadamente.

“Eu sou humano, um humano … cara.”

“Um dragão de fogo fingindo ser humano? Eu entendi! Você está sendo perseguido por humanos, então você tomou forma humana!”

“Ouça, eu sou humano de verdade” Grunbeld fez uma careta da dor de seus ferimentos por um momento.

“Você está ferido? Ludvig!” O grande lobo levou a gola da camisa de Grunbeld à sua boca. O lobo ergueu-o cuidadosamente e colocou-o em suas costas.


“Venha comigo.” Indo na direção de Benedikte, o lobo e Grunbeld a seguiu rumo às profundezas da floresta.

Estou sendo levado para a terra dos mortos?

De acordo com o folclore do norte, uma Valquíria viria até você se morresse heroicamente.

Isso é o que é contado? Mas eu não sou um herói agora, e Benedikte não se parece com uma valquíria.

Era primavera na parte mais distante da floresta. O vapor subia de uma fonte termal. Não era exagero dizer que o Grão-Ducado de Grant era um gigantesco vulcão adormecido, então um lugar como esse não era incomum. Mas havia um ar de pureza aqui diferente de outra fonte termal. Os animais da floresta estavam tranquilamente imersos na água quente.

Tomando emprestado a força do lobo de prata Ludvig, Grunbeld se deitou na fonte quente. O lobo manteve seu corpo posicionado para agir como um travesseiro, o que impediu Grunbeld de se afogar. No instante em que a água quente tocou suas feridas, a dor atravessou-o, tão intensamente que ele pensou em gritar. Como ele engoliu o grito e enfrentou a dor, seu corpo começou a sentir-se incrivelmente leve. A fonte parecia mais um remédio líquido do que água. Um agradável aroma de ervas aliviou sua tensão.


Benedikte tirou o vestido, subiu nua nas costas de um alce e nadou em torno da fonte termal em alto astral. Ela era uma criança magra, embora não a ponto de não ser saudável, e suas costelas eram claramente visíveis.

“É como uma cena de um conto de fadas”, murmurou Grunbeld. Quão irreal tudo era.

Benedikte aproximou-se dele e disse: “Este é um lugar secreto para mim e para os pequeninos. Quando as mulheres mais velhas ficam muito preocupadas, eu me afasto e venho aqui. Isso funciona nos ferimentos de qualquer animal, então eu tinha certeza de que funcionaria em um dragão também”.

“Por que você acha que eu sou um dragão? Eu já disse isso várias vezes – sou humano!”

“Não, você está mentindo. Eu nunca vi um humano tão forte ou tão vermelho.”

“Nunca viu, você disse? Mas os seus olhos…”

“Isso mesmo, eu sou cega. Mas eu posso ver corações. Eu posso ver espíritos e o fluxo de energia. Mais cedo eu pensei que uma montanha estava cuspindo fogo! Eu pensei que talvez um lendário dragão de fogo dormindo em uma montanha de fogo tivesse revivido!”

Mais cedo? Ah, quando eu fiquei com raiva. Pensando bem, aquela raiva intensa desapareceu desde que cheguei nesta fonte termal – desde que conheci Benedikte.

“Dragão de Fogo … Você está exagerando. Eu nunca poderia ser … Eu sou apenas uma … criança sem poder. Não uma maldita coisa …” Grunbeld cerrou o punho. “Se eu fosse um dragão de fogo, eu queimaria…tudo.”


Benedikte pulou em Grunbeld, olhando para ele. O lindo rosto daquela menina estava fixado para ele, e o toque de sua pele o confundia. Ela era muito jovem. Algo sobre Benedikte era estranho, no entanto. Era como se ela estivesse olhando para um lugar distante com seus olhos cegos, intoxicada com um vinho que ela não tinha nem bebido.

“Tenho certeza que você vai se tornar um poderoso, um poderoso dragão”, ela disse com um olhar extasiado. “Assim como o lendário dragão de fogo. Uma vez que você fizer isso, ninguém será capaz de te machucar mais. Chamas vermelhas brilhantes queimarão seus inimigos e suas escamas duras quebrarão lâminas.” Ela então se encolheu como se tivesse acabado de acordar. O sentimento de arrebatamento desapareceu e ela retornou ao seu jeito infantil original.

Benedikte colocou a mão no peito de Grunbeld, perto do coração dele. “Mas não importa o quanto as escamas sejam duras e cubram você, elas não podem proteger seu coração. Se isso te machucar, volte aqui novamente.”


Benedikte sorriu inocentemente. Grunbeld não sabia o que pensar. A garota se inclinou contra ele e permaneceu assim enquanto o tempo passava lentamente.

Em algum momento a dor de Grunbeld desapareceu e o sangramento parou. Parecia haver algum tipo de poder sagrado ali.

“Eu preciso ir para casa.”

“Você está certo. Não podemos ficar nesta floresta para sempre. Agora não é a hora. “

Ludvig e Benedikte o olharam e Grunbeld saiu da floresta.

“Ei.”

Quando Grunbeld se virou, a floresta estava envolta em neblina e não havia ninguém ali para ver.

Eu estava enfeitiçado por um elfo ou algo assim?

O que aconteceu rapidamente perdeu qualquer senso de realidade. Como se lembrasse do toque de Benedikte, Grunbeld levou a mão ao peito.

Ele pensou novamente sobre as palavras dela – “Se isso te machucar, volte aqui novamente” – e então retomou seu caminho para casa.


Capítulo 1. 3

“Dê uma boa olhada.”

Vários dias haviam se passado desde o encontro com Benedikte. A marinha do Grão-Ducado de Grant estava espalhada e o Império Tudor atingiu a ponta sul da ilha, embarcando em um avanço relâmpago. A grande força atacou a vila de Grunbeld e destruiu sua guarnição em pouco tempo. Soldados de Tudor surgiram na casa de Grunbeld.

“Eu vou dizer de novo – dê uma boa olhada. Esse é o destino de todos que se opõem a Tudor!” Havia dezenas de soldados, barbudos e musculosos, com a pele caracteristicamente marrom. Dois deles seguraram a cabeça de Grunbeld para impedi-lo de desviar o olhar do que estava acontecendo.

“Eu te imploro … me poupe!” Um dos acompanhantes da mãe chorou quando implorou a um soldado inimigo. Ele tinha sido despido, suas mãos e pés estavam presos e seus genitais cortados com uma faca cega e enferrujada. A bagunça do corte sangrando, testículos e tudo mais, parecia algum tipo de animal marinho pútrido. Os soldados de Tudor riram alto enquanto olhavam para o guarda que estava entrando em pânico com todo aquele sangue que saía da ferida.

“Quebre os ossos de ambas as mãos e pés. Então você pode simplesmente deixá-lo em paz”, disse o soldado Tudor no comando. “Ele provavelmente vai sangrar até a morte por conta própria.” O acompanhante gemeu, já muito além das palavras.

A excêntrica nobre, Condessa Euphemia Ahlqvist, mãe de Grunbeld, fora violada por três soldados. Ela era uma mestra na espada e havia cortado quatro Tudors antes de ser contida, e os soldados Tudor que a pegaram estavam furiosos. O vestido de sua mãe foi então rasgado e os soldados penetraram em seus três orifícios de uma só vez.


Ela foi socada com força no rosto várias vezes, e todos os seus dentes tinham sido arrancados.

“Estou surpreso que você conseguiu fazer tudo isso mesmo coberta de sangue, sua cadela de meia idade.” Os outros soldados riram novamente com as palavras do capitão. Era isso que significava perder na guerra: os vencidos se tornam propriedade do vencedor. O mesmo aconteceria em toda a cidade. Chacina e estupro. Violência e pilhagem.

Talvez Grunbeld Ahlqvist fosse uma criança especial. Sua mãe estava sendo atacada diante de seus olhos, e ainda assim era estranho como menos real aquilo parecia. Em lugar de tristeza ou medo, uma raiva poderosa aumentava constantemente dentro dele. Ele sabia que seria morto no local se os soldados de Tudor pudessem senti-la, então ele permaneceu inexpressivo.

A mãe de Grunbeld era membro de uma orgulhosa minoria étnica. Como prova disso, o cabelo curto de Grunbeld tinha um aspecto vermelho resplandecente. Ocasionalmente, uma característica de um avô não é herdado por seu filho, então, de repente, se manifesta na geração dos netos. Grunbeld Ahlqvist foi um desses retrocessos geracionais.


Após o estupro, os soldados Tudor brincaram com Euphemia como se ela fosse um inseto, desfrutando se seu tormento. Eles a socaram, a chutaram, arrancaram as unhas de suas mãos com um alicate e finalmente cortaram sua garganta horizontalmente com uma faca. Eles então puxaram sua língua para fora através da ferida aberta.

“Você ainda é jovem. Você será útil”, disse o capitão de Tudor para Grunbeld.

“Útil”, resmungou Grunbeld, como se estivesse tentando aprender uma palavra pela qual ouviu pela primeira vez. “Eu não tenho uso, pra nada. Se você não me matar aqui e agora, você vai se arrepender.” Você nunca saberia que ele tinha quatorze anos, pelo tom dele.

Tudor deu o nome de Chester à cidade provincial que acabara de ocupar. Grunbeld foi preso. O vilarejo tornou-se uma prisão para os prisioneiros de campo de guerra de Tudor. A torre era insalubre e cheia do fedor de carne podre. Os pisos de pedra estavam frios e úmidos. Cada cela espaçosa da prisão continha apenas uma plataforma de pedra para dormir e um balde que servia como um banheiro. A luz do sol brilhava através da janela do tamanho de um punho. Se você se encostasse em uma parede, parecia que corria o risco de ser contaminado pelo cheiro de mofo.

Grunbeld era monitorado por ser muito grande para sua idade e era colocado uma restrição sempre que estava acordado. A restrição era uma pesada placa de ferro com três buracos que prendiam o pescoço e os pulsos. Vestindo a placa era difícil para se alimentar.


Certa noite, em sua cela solitária, Grunbeld estava pensando em sua mãe assassinada. Grunbeld aceitou seu avô materno ao invés de seu próprio pai, e os membros da família Ahlqvist se sentiram um pouco perdidos em relação ao que fazer com ele. Só a mãe dele o tratava com amor. Sua vida cotidiana em casa havia sido chata. Pelo menos aprender a lutar com uma espada e com as mãos tinha sido divertido.

Se ele escutasse atentamente, poderia ouvir crianças chorando e pedindo ajuda de outras celas na torre da prisão.

“Eu quero ir para casa!”

“Mãe, pai…”

“Alguém … me ajude.”

“Eu estou com friooo.”

“Eu estou com fome …”

“Me salve.”

“Me salve.”

“Salve-meee …”

Os jovens do vilarejo que frequentemente o abordavam estavam agora tremendo como cachorrinhos.

Era assim para quem perdia a guerra. Os homens foram mortos e as mulheres foram violadas. As crianças foram sequestradas ou assassinadas. Os fortes podiam fazer o que quisessem com vidas humanas.

Grunbeld não estava prestes a pronunciar quaisquer sons patéticos. Ele não se relacionou com sentimentos de alegria ou tristeza. Mas a raiva parecia se encaixar nele como uma camiseta. Essa raiva não era dirigida apenas ao “inimigo”.

Quando minha casa foi atacada, fui pego de surpresa e incapaz de lutar do jeito que eu queria. Estou furioso comigo mesmo por isso. Mas está tudo no passado agora. Não adianta se arrepender.

“Eu vou acertar da próxima vez”, ele murmurou para si mesmo. Então, de repente, ele ouviu uma canção vindo da torre da prisão:

🎶 Uma ilha protegida pelos espíritos.

Eles guiam você em sua jornada após a morte.

Não há nada a temer.

O sofrimento do temeroso é longo.

O sofrimento do corajoso é curto.

A vida é curta, mas a alma continua para sempre.

Nossos ancestrais aguardam nos céus do outro lado do mar, onde moram apenas os bravos.🎶


Capítulo 1. 4

Quatro dias se passaram desde que Grunbeld havia sido preso. Tudor designou duas crianças para cuidar dele.

“Isso é um tratamento especial.” Disse um dos dois, um menino. “Essas algemas são realmente algo.”

“Você é…mais velho que nós?” perguntou o outro, uma garota.

“Quatorze”, respondeu Grunbeld. O menino e a menina exclamaram em surpresa.

“Eu não posso acreditar – você é mais jovem? Você é descendente dos Leões Marinhos por acaso?”

O povo Leões Marinhos. Caçadores do Oceano Norte. Ele definitivamente se lembrava de sua mãe mencionando-os. “Eu sou Grunbeld … da Casa de Ahlqvist. Eu tenho sangue dos Leões Marinhos dentro de mim.”

“Sou Edvard, filho do grão-duque do Grão-Ducado de Grant.”

Ao contrário de Grunbeld, Edvard tinha altura e físico apropriado para sua idade. Seus braços e dedos eram longos, o que de alguma forma lhe dava um ar de refinamento. Edvard tinha olhos afiados, como uma ave de rapina. Seu lindo cabelo loiro era despenteado, como se não tivesse sido arrumado.

A garota se apresentou. “Eu sou Sigur, uma filha da Casa de Johansen.” Os olhos de alguém não podiam deixar de ser atraídos pela pele branca como a neve de Sigur e pelo longo cabelo prateado. Seus olhos tristes continham um rastro de perigo oculto, e eles davam a impressão de flores que desabrocharam fora de época no inverno.

“Eu sou apenas o filho do Grão-duque, e ela é filha de um aristocrata influente”, disse Edvard.

“O que você está fazendo em um lugar como esse?”

“Nós estávamos caçando aqui e eles nos pegaram”, disse Edvard. “Temos valor. Tenho certeza de que eles concordarão com troca de reféns, e essa situação não durará muito.”


Grunbeld não só não havia comido nem bebido, mas a placa de restrição era feita de ferro, e era pesada. Quando Grunbeld cambaleou, Edvard o apoiou. Sigur foi buscar um pouco de água do guarda.

“Desculpa.”

“Não se preocupe com isso”, disse Edvard. “Temos que trabalhar juntos. Devemos permanecer com boa saúde até as negociações de troca com reféns.”

Sigur carregou um copo de madeira com as duas mãos e levou-o até a boca de Grunbeld. O enfraquecido Grunbeld bebeu a água de uma só vez.

“Obrigado…”

Sigur olhou para Grunbeld sem piscar. Aquele olhar puro quase o fez desviar os olhos involuntariamente. Grunbeld sentiu como se houvesse perigo naquele olhar.

“Há um aroma de esperança em você”, disse Sigur. Foi então que Grunbeld percebeu que Sigur era a garota que ele tinha ouvido cantar.

O instrutor de Tudor gritou. “Adore o Deus verdadeiro! Jure fidelidade ao Imperador de Tudor!” A educação de conversão havia começado na prisão para as crianças prisoneiras do Grão-Ducado de Grant. A “educação de conversão” se referia à doutrinação estrita para crianças presas de lugares fora de Tudor, para mudar seu modo de pensar para o de Tudor. As crianças que são “convertidas” muitas vezes chegam a apresentar um patriotismo mais forte do que os nativos de Tudor, com a vantagem de que eles eram dispensáveis. Eles fizeram uma ótima adição para os militares.


Havia cerca de duzentos filhos de nobres ou cavaleiros que haviam sido capturados ou tomados como reféns. Entre eles, Grunbeld, Edvard e Sigur. Todas as duzentas crianças presas estavam vestidas com farrapos e não haviam sido alimentadas adequadamente. Sem banho e sujos, suportando a fome apenas com restos de comida e água, eles recebem uma educação de Tudor completa e treinamento militar – quer eles queiram ou não.

A doutrinação centrou-se na leitura dos livros de história e das escrituras de Tudor. Louvor ao primeiro e único deus. Louvor ao Imperador de Tudor. Amor a Tudor. Morte por Tudor.

As pessoas de Grant tinham sua própria perspectiva religiosa e espiritual do mundo. Mesmo para uma criança, abandonar tudo isso não era uma coisa simples.

“Enfie seu deus e seu imperador na sua bunda …” uma das crianças recebendo educação de conversão resmungou para si mesmo. Foi apenas algo que ele disse em voz baixa e descuidada, mas o instrutor optou por não deixar passar.

O instrutor era Sir Abecassis, um cavaleiro de Tudor. Possuindo um enorme domínio e com um grande exército à sua disposição, Abecassis era um indivíduo de alta patente. Tipicamente, alguém do seu status não seria responsável pela educação de conversão para crianças em tal lugar, mas ainda assim ele frequentemente se dirigia para a Torre da prisão. Nada lhe trazia mais alegria do que atormentar as crianças.


Abecassis era um homem grande; alguns o chamavam de gigante. Suas pálpebras eram grossas, fazendo-o parecer sonolento. Seus lábios e peito também eram grossos. A carne de suas bochechas caía como a de um cachorro gordo. Seu longo cabelo preto era moderadamente ondulado.

“Oh não … agora o seu professor está triste” era o ditado favorito de Abecassis.

“Igh!” O menino que silenciosamente falou mal do deus de Tudor sentiu Abecassis agarrá-lo pela cabeça. Quando alguém do tamanho de Abecassis pegava uma criança, era como se ele estivesse brincando com uma boneca.

“Vá em frente e diga isso de novo.”

“Não, eu não … quero dizer … eu não disse nada, senhor …”

“Eu não disse nada, senhor? Eu vou ter que te punir, você sabe.” Abecassis sorriu quando levantou o menino.

“Pare com isso.” Grunbeld se levantou. Ele ainda usava a placa de restrição durante a educação de conversão. Seu ato imprudente causou uma agitação entre as outras crianças prisioneiras. Apenas Edvard estava sorrindo; um sorriso irônico e sem afeição.

“Hm? O que é isso agora?” Abecassis torceu o pescoço do garoto que ele segurava no alto. O som de osso quebrando ecoou, e a pele do garoto se torceu e deformou. Sua cabeça se enrolou duas vezes em uma direção impossível, seu rosto congelou com um olhar de terror.


“Estudantes rebeldes que não parecem ter nenhum talento terão que morrer”, disse Abecassis ao se aproximar de Grunbeld. “Você é rebelde, mas parece suficientemente capaz. Vamos mantê-lo vivo”.

“Desgraçado…”

“Pare com isso, Grunbeld.” Edvard agarrou o braço de Grunbeld e o puxou. Grunbeld não se mexeu nem um centímetro, mas ficou surpreso com a força que Edvard tinha. Edvard sussurrou em seu ouvido. “Agora não é a hora.” Abecassis parecia estar gostando de assistir os dois.

Se eu não desistir agora, Edvard provavelmente será assassinado também. Grunbeld baixou a cabeça e sentou-se.

“Bom”, disse Abecassis quando ele se virou e foi embora.

“Por que você se preocupa comigo?” Grunbeld perguntou a Edvard.

“Eu já lhe disse antes. Temos que trabalhar juntos em momentos como este”, disse Edvard. “Além disso, posso ver rapidamente que você será nosso apoio emocional. Tenho certeza disso.”

A tarde. As crianças prisioneiras estavam sem almoçar. Assim que a fome aumentava ferozmente, Abecassis preparava uma ceia extravagante. Mas ele não deu para as crianças. Eles estavam mordendo os polegares e observando enquanto soldados de Tudor devoravam alegremente carne, legumes e outros pratos.


“Converter-se para o Deus de Tudor não é tão difícil assim”, disse Abecassis. “É semelhante a mudar de onde você mora. Todos os que abandonam os deuses de Grant aqui e agora vão comer até que suas barrigas estejam cheias. Aqui e agora, Grunbeld.”

O nome de Grunbeld foi chamado. Ele caminhou até Abecassis para ver o que ele queria. Grunbeld estava usando a placa de restrição, e havia soldados em guarda, então não parecia haver nenhuma chance agora de pegar Abecassis de surpresa, mesmo que ele se aproximasse.

“Você tem um corpo grande, então deve ficar com fome facilmente”, disse Abecassis enquanto exibia um pedaço de carne de frango assado no osso. As crianças engoliram em seco e seus estômagos roncaram.

Mas nem um músculo no rosto de Grunbeld se mexeu quando ele disse: “É lavagem de porco”. A sala congelou com essas palavras.

Abecassis sorriu. “Vá em frente e diga de novo.”

As crianças se lembraram da criança cujo pescoço foi quebrado durante o dia e estremeceram. “É lavagem de porco,” repetiu Grunbeld, exatamente como ele disse antes.

Abecassis pretendia matar Grunbeld no local se ele adotasse uma atitude assustada. Mas com sua atitude tão descarada, isso não se tornou mais uma opção. Isso porque as outras crianças foram movidas por sua atitude resoluta. Mesmo se ele matasse Grunbeld agora, ele seria apenas um herói. Mantê-lo vivo e fazê-lo se converter iria entregar resultados maiores.

“As pessoas do Norte são do clã do Urso e do Lobo. Nós não comemos lavagem de porco.”

“Muito bem …” Abecassis limpou a boca com um guardanapo. “Mas orgulho não enche o estômago. Estou ansioso para ver quanto tempo você pode manter essa atitude.”


Capítulo 1. 5

Chegou a hora do treinamento militar. O treinamento acontecia de maneira brutal. Soldados armados com arcos ficavam de vigia enquanto as crianças prisioneiras recebiam espadas de madeira para poderem atacar as toras. Foram lhe ensinados alguns movimentos básicos e, em seguida, pareados para passar longas horas atacando uns aos outros. Aqueles que faziam pausas sem permissão eram açoitados impiedosamente.

Independentemente do sexo, as crianças presas aprendiam técnicas de luta. Quando uma garota de aparência gentil sugeriu ao instrutor que ela nunca seria capaz de aprender isso, ela foi imediatamente levada embora. Os prisioneiros a viram na manhã seguinte. Ela estava pendurada por uma corda em volta do pescoço no portão principal da torre da prisão, seu corpo nu exibia sinais de ter sido estuprado. Após o enforcamento e subsequente exibição publica, o cadáver foi serrado em pedaços e serviu de alimento aos porcos. Um deles mordeu a recém cortada cabeça da menina enquanto ela rolava. Muitas das crianças vomitaram ao ver a carne sendo retirada pouco a pouco do crânio.


Outro menino teve que participar do treinamento militar, apesar de estar doente com um resfriado e diarréia. Como ele balançou desesperadamente sua espada de madeira enquanto suas próprias fezes encharcaram suas calças, os soldados de Tudor o trataram com desprezo. O menino acabou desmaiando de febre alta, e um soldado Tudor o usou para prática de arco e flecha como punição. Como o menino implorou por sua vida, ele foi amarrado a uma árvore próxima, e dezenas de flechas foram soltas em locais que não o matariam rapidamente.

“Nós também não queremos fazer esse tipo de coisa”, disse o soldado de Tudor.

Várias crianças covardes já tinham desertado para Tudor. “As crianças que se converteram estão atualmente se preparando em uma jornada para novamente receber uma educação no estilo Tudor. Eles têm uma vida esplêndida esperando por eles, você sabe.”

Testemunhar tais cenas fez com que Edvard pensasse: Mesmo que fosse apenas para exibição, não seria melhor se submeter a Tudor? Eu não pretendo morrer em um lugar como esse. E eles provavelmente não planejam me matar.

Ele estava confiante nisso.

A mãe de Edvard era a nova esposa do grão-duque. Um pouco antes de Edvard ser capturado, sua mãe casou-se formalmente com o grão-duque depois de passar muitos anos como amante. Até então o nome do pai de Edvard tinha sido mantido em silêncio, mas agora Edvard podia andar pela rua com orgulho.


Ele era o último na linhagem para o trono. Respeitando a decisão da família real, Edvard continuaria a usar o sobrenome Halvorsen em vez de Grant, mas realeza era realeza. Sua mãe tinha que pedir ao grão-duque por sua libertação. Ele sempre poderia fazer um pouco do que Tudor dissesse, para ganhar tempo, e nada mais …

“A maneira como você vive determina tudo depois da sua morte.” Assim Grunbeld abordou o tópico na refeição do meio-dia. “Morrer de acordo com o destino da pessoa é honroso. Minha mãe foi morta depois de ser estuprada por soldados Tudor, mas ela foi corajosa até o fim. Tenho certeza que ela foi ao Salão dos Deuses como uma mãe corajosa. A morte é por um instante, mas a alma continua para sempre “.

Embora Grunbeld geralmente estivesse em silêncio, todos o ouviam quando ele começava a conversar. “A desonra de um covarde se torna seu sofrimento após a morte.”

Aquelas palavras causaram um forte impacto no coração hesitante de Edvard. Grunbeld era um caso extremo, mas o sangue orgulhoso dos caçadores do oceano fluía de certa forma dentro de todos os habitantes de Grant. Até que os povos do norte se unissem como um grão-ducado, eles suportariam uma história de sofrimento. Se eles vendessem seu orgulho por um instante a mais, seria indesculpável para os fantasmas de seus ancestrais. Edvard se envergonhou por quase concordar em se converter.


As palavras de Grunbeld também chegaram aos ouvidos do soldado Tudor em guarda. Quando Abecassis recebeu o relatório, ele decidiu uma punição para o treinamento militar do dia seguinte.

Grunbeld foi emparelhado com Edvard para treinamento. Momentos como este eram as únicas exceções para a placa de restrição de Grunbeld ser removida. Claro, Edvard e Grunbeld não estavam lutando de verdade. Eles davam aquela aparência enquanto iam fácil um contra o outro. Edvard é muito bom, pensou Grunbeld. Grunbeld era grande e forte. Mas não importava o quão fácil fosse o treinamento para ele, nenhuma das outras crianças estava em um nível em que elas pudessem acompanhar e ainda fazer com que parecesse sério.

Enquanto ele trocava golpes de espada de madeira com Edvard, Grunbeld observava casualmente as outras crianças para ver quem era forte, e o quão forte era. Sigur em particular se destacava. Sua força física estava muito acima da média para uma garota de sua idade. Ela também tinha um bom senso de equilíbrio. Um corpo mais fraco significava que balançar até mesmo uma espada leve de madeira resultaria em ser jogada ao redor. Não importa o quão intensamente Sigur se movesse, a parte superior do seu corpo permanecia estável, então ela reagiu rapidamente após se desviar de um ataque do seu oponente.


Abecassis apareceu no local de treinamento. “Ouvi dizer que você está dando um mau exemplo para as outras crianças, Grunbeld Ahlqvist.”

Grunbeld lhe respondeu com o silêncio.

“Nesse caso … vamos fazer você se envolver em uma batalha simulada com um soldado Tudor. Parece que você está precisando de um pouco de dor. Nosso capitão será seu oponente. Vamos lá!”

“Sim senhor!” O oponente da batalha simulada que Abecassis convocou foi o mesmo capitão que foi responsável pelo estupro e assassinato da mãe de Grunbeld.

O capitão deu um soco em Grunbeld e depois em Edvard. Edvard caiu, mas Grunbeld se manteve firme.

“Ouvi dizer que você tem a boca um pouco grande. Suponho que você vai fazer uma boa exibição para nós?”

“Claro.”

“Se você perder, você se converterá para Tudor … Que tal isso?” perguntou Abecassis.

“Tudo bem”, respondeu Grunbeld com franqueza.

O capitão e Grunbeld prepararam suas espadas de madeira. O capitão era um veterano; e era grande assim como Grunbeld, que tinha apenas quatorze anos. Era óbvio para todos como a luta terminaria – ou assim parecia. No centro do pátio da Torre de prisão — o local de treinamento para as crianças prisioneiras — Grunbeld e o capitão se enfrentaram. As outras crianças e os soldados Tudor de guarda formaram um amplo círculo, cercando os dois combatentes. Edvard e Sigur estavam um ao lado do outro para assistir ao desdobramento da batalha.


“Ele está com problemas”, murmurou Edvard.

Sigur ouviu-o. “Grunbeld está …?” Um olhar de preocupação cruzou seu rosto.

“Eu não o segurei.” Edvard sacudiu sua cabeça. “Não vá longe demais, Grunbeld Ahlqvist …”

Grunbeld segurou sua espada de madeira com força. O capitão sorriu, com uma expressão arrogante. Ele fez uma reverência extravagante como um cavaleiro, provocando risos dos soldados de Tudor. Abecassis parecia se divertir enquanto gritava para a luta começar. O capitão não atacou imediatamente. Ele manteve distância e observou atentamente.

Grunbeld pensou: O que devo fazer para vencer? A resposta não veio, mas ele decidiu começar tentando um ataque. Com essas espadas de madeira, a menos que alguém acertasse em um local muito específico, não haveria como um único ataque matar. Grunbeld estava confiante, ele seria capaz de suportar um pouco de dor. Ele balançou a espada na direção da cabeça do capitão.

“Oh!” O capitão ficou momentaneamente surpreso com aquele golpe que parecia muito forte para pertencer a uma criança, mas ele ainda calmamente recuou e esquivou da espada de Grunbeld.

O capitão revidou. Grunbeld quase não conseguiu bloquear. O impacto seco de espadas de madeira colidindo ecoou.


“Grunbeld … Ele é forte,” murmurou Sigur.

O resultado dessa luta não foi nada claro. Embora tenha havido no início uma rigidez aos movimentos de Grunbeld, a postura do capitão piorou cada vez que eles trocaram golpes. A agitação começou a se espalhar entre os soldados de Tudor que assistiam.

“O capitão segura a espada com força”, disse Edvard. “Ele balança com toda a força porque provavelmente está acostumado a dilacerar oponentes envolvidos por armaduras. Essa estratégia sai pela culatra quando se trata de uma luta com espadas de madeira.”

Grunbeld não aprendeu usar a espada com seu pai, mas com a mãe e um velho caçador do oceano. A suposição era de que às vezes se lutaria a bordo de barcos, portanto era necessário um bom trabalho de pernas no mínimo. As táticas eram mais para afastar os golpes de um adversário do que para pará-los. Porque dessa forma, espadas longas precisavam de amplas guardas.

“O que! O que diabos …?” O capitão percebeu que ele estava perdendo.

“Então, é assim que você faz …” Embora este combate fosse apenas uma batalha simulada, esta foi a primeira luta de Grunbeld contra um “inimigo”. Dentro de sua mente, Grunbeld sentiu como se algum tipo de engrenagem tivesse se movimentado. Quando as espadas de madeira se chocaram, seu corpo verdadeiramente se tornou seu.

Grunbeld pegou a espada do capitão com a ponta da sua própria espada e a puxou para o lado, depois atingiu imediatamente a cabeça do capitão.


Ao desferir o golpe, a espada de Grunbeld se quebrou, e uma ferida se abriu na testa do capitão.

“Oh …! Eh?” O capitão cambaleou com a boca aberta. Grunbeld enfiou a base de sua espada quebrada na boca dele, depois golpeou o cabo com a palma da mão e enfiou-o na parte de trás da cabeça do capitão.

“Ah, droga.” Edvard colocou suas mãos na cabeça. Os olhos de Sigur se arregalaram de surpresa.

No começo, as crianças do local de treinamento tinham medo dos soldados Tudor e tomaram cuidado para não torcer por Grunbeld. Mas, enquanto o observavam lutar, esqueceram o medo e soltaram um grito alto no momento em que Grunbeld saiu vitorioso. Sua batalha havia dado coragem a todos.

Ele havia vingado sua mãe, mas o que passava pelo coração de Grunbeld não era uma sensação de realização, mas a empolgação de derrotar um inimigo em um combate único. “A honra de um guerreiro.” As palavras passaram por sua mente e desapareceram em um instante. Que guerreiro? Não era hora de se deixar levar. Agora, ele não era nada mais que uma criança em cativeiro.

“O resto depende de Abecassis …” disse Edvard.

Depois que o capitão entrou em colapso, o local de treinamento ficou em silêncio. Até os pássaros que estavam voando nas proximidades se dispersaram imediatamente. Quando o bater de suas asas desapareceu, uma quietude sinistra se estabeleceu.
O silêncio foi quebrado com o som de palmas. Aplausos de ninguém menos que Abecassis. “Magnífico, Grunbeld Ahlqvist! Você deveria usar essa força para o bem de Tudor.”

Uma onda de alívio tomou conta de Edvard.


O Capítulo 1 ficou muito grande, então dividi em duas partes. Curtam, comentem e compartilhem. Em breve postarei a segunda parte do capítulo 1. Apoie a obra adquirindo o material original!

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